D. Joaquim da Boa Morte
Nasceu em Medeiros, freguesia de S. Vicente da Chã, do concelho de Montalegre, em 11-01-1814 e faleceu em Santo Emilião, concelho da Póvoa de Lanhoso, em 22-04-1903.
Foi cónego regrante da Ordem de Santo Agostinho, em Santa Cruz de Coimbra.
Em 1836, já depois de extintas as ordens religiosas, formou se em Teologia, tendo sido premiado, em três anos consecutivos do curso.
Raúl Brandão que o conheceu pessoalmente, em S. Martinho do Campo, escreveu dele o seguinte: “Na idade de 92 anos, faleceu há dias, em Santo Emilião, deste concelho, Frei Dom Joaquim da Boa Morte Álvares de Moura, natural de Barroso e vindo para o Minho na idade de quatro anos. Era bacharel, formado na Universidade de Coimbra, em Filosofia e em Matemática. Foi cónego regrante de St.’ Agostinho e doutor pelo Colégio da Sapientia. Foi convidado duas vezes para reger uma cadeira na Universidade de Coimbra. E, sendo arcebispos de Braga, D. José Joaquim de Moura e D. João Crisóstomo Amorim Pessoa, ambos o convidaram para reger uma cadeira no curso superior. Várias vezes lhe foi oferecida uma mitra e todos os oferecimentos referidos recusou. Conforme a sua vontade, foi metido num esquife e envolvido numa manta tecida por sua mãe. Era um orador de talento e dotado das mais sublimes virtudes cristãs, pelo que o povo que o conhecia, o apelidava de santo”.
E Raúl Brandão que inspirado em Frei Joaquim da Boa Morte escreveu o opúsculo O Padre (1901), disse mais o seguinte: “O homem a quem estas secas linhas se referem, era na verdade, um santo. Deixou tudo para viver perto de S. Martinho do Campo, entre cavadores e a gente pobre da terra que adorava. Vi-o muitas vezes passar na estrada, todo branco, minguado, com o burel, que nunca quis largar, no fio e os sapatos rotos. Era efectivamente formado em Filosofia e em Direito e até, por vezes, fora convidado para lente da Universidade de Coimbra. Recusou sempre, recusou tudo… Velhinho, trémulo, vivendo de esmolas, recolhido por caridade em casa de duas mulheres que o cuidavam, nunca esqueceu o convento, a cela, o dia da separação. E ao pé da árvore, onde se sedentava e recolhia (numa fonte à beira da estrada da Póvoa de Lanhoso, junto à Ermida) junto ao fio límpido da água, lhe ouvi, mais de uma vez contar o que sofrera… Com a vida, ia-se-lhe desfeito o burel, rotos os sapatos. Deixara de dizer missa mas o povo daqueles lugares, que é ingénuo e crente, consultava-o nas suas doenças e nos seus sofrimentos. É que D. Joaquim fazia milagres. Escusam de sorrir… O milagre é uma comunicação entre pessoas que têm radicada e viva esta enorme força: a fé. D. Joaquim, prossegue o testemunho de Raúl Brandão, “curava as criaturas simples, as mulheres, as crianças e os homens da serra que o iam visitar, com boas palavras. E, quando muito, com alguns cachos de uvas, que ele próprio colhia e lhes distribuía, depois de benzidos. Antes de morrer pediu que o enterrassem embrulhado na manta coçada que pertencera a sua mãe e que tinha guardada no fundo da arca. Essa velha manta como eu lha invejo! Era num farrapo, assim, como um resto de calor e de ternura, que eu queria ir aconchegado para a terra. Nem a eternidade das eternidades, nem o isolamento, nem o frio dos frios, conseguiriam jamais trespassá la. Que descanse em paz. Quem escreve estas linhas, confessa o escritor Raúl Brandão, deve-lhe uma das maiores, mais elevadas e puras impressões que tem recebido na vida. A sua grande figura só desaparece da terra, depois de ter feito muito bem e estancado muitas lágrimas”.
O texto que aqui reproduzimos, de R.B. foi incluído no capítulo: Filósofo e Santo, pgs. 127/132 do livro: Um Coração e uma vontade, Memórias, organizado pela viúva de R.B., Maria Angelina Brandão, Coimbra, 1959. Também Guilherme de Castilho, biógrafo de Raúl Brandão, em A Vida e a Obra de R. Brandão (Livraria Bertrand, Lisboa, 1979) dedica nas páginas 38 e 39, oportunas considerações sobre D. Joaquim da Boa Morte Álvares de Moura, para explicar que o encontro, nos últimos anos de vida daquelas duas personalidades, em Santo Emilião, se deveu ao facto do escritor ter de abandonar Guimarães, onde era militar no Reg. N.° 20, para fugir à epidemia que grassava. Escreve Angelina Brandão: “porque a sensibilidade nervosa de R. B. não permitisse o isolamento em Guimarães, antes que o cerco se fizesse, fugiu para muito longe. Pôs se a caminho até S. Martinho do Campo, junto à Póvoa de Lanhoso. Instalámo-nos no lugar da Mota, entre soutos frondosos, carvalheiros seculares, luz, sol, céu, longe do espectáculo doloroso que o afligia. Aí, enquanto esperava que a morte passasse do largo, quis o acaso que viesse a conhecer uma das figuras que mais profundamente o impressionou: um ansião na avançada casa dos noventa, Frei Dom Joaquim da Boa Morte Álvares de Moura, sobre o qual viria a escrever em O Dia, uma pequena nota, enaltecendo as excelsas qualidades morais do ascético fradinho que, para se entregar, totalmente, à pobreza e à humildade, recusara a mitra e a cátedra coimbrã, que em homenagem às suas virtudes e cultura lhe haviam sido oferecidas”.
E Guilherme de Castilho, depois de recordar aquilo que acima se transcreveu, concluiu: talvez tenha sido a pensar nesta figura fora de série que Raúl Brandão, num folheto que intitulou “O Padre”, publicado na época, ao denunciar a corrupção da generalidade do clero, a quem imputa a vitória da matéria sobre o espírito, não deixa de admitir a existência de excepções exemplares que, pela humildade e pela pobreza, possam tornar se o fermento indispensável para que a Igreja volte a ser o veículo da propagação da doutrina de Cristo em toda a sua pureza primitiva”. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, no vol. 18 menciona os dados essenciais deste Frade Transmontano. E na campa localizada no adro da Igreja Paroquial de Santo Emilião, que passou a ter o seu nome, lê-se, no granito: Aqui jaz D. Joaquim da Boa Morte Álvares de Moura, Cónego Regrante, natural de Medeiros, Montalegre. Nasceu em 11 de Janeiro de 1814 e faleceu em 22 de Abril de 1903. Orai por Ele.
Em 1979 foi editado um opúsculo de 94 páginas: Vida e Obra do Venerável D. Joaquim da Boa Morte, de Barroso da Fonte, José Cardoso Antunes (paroquiano), P.e José Joaquim Martins (pároco) e P.e Aquilino Ferreira, em que cada qual reuniu os elementos que lhe foi possível. Em 1987 a Câmara Municipal de Montalegre editou o opúsculo: Vida e Obra de Joaquim Álvares de Moura, de Barroso da Fonte, onde recolhe mais alguns elementos. O Re Silva Gonçalves (1879 1942), publicou S.NIrtes (1909), uma colectânea de poemas e na p. 80 inclui vir justus, um belíssimo soneto, que invoca: D. Joaquim da Boa Morte, no dia do seu enterro.
Foi autor de alguns livros. Possuímos dele: Santo Teotónio conhecido e venerado ou notícia compendiosa da vida, virtudes, benefiéios, milagres e culto do primeiro prior da Santa Cruz de Coimbra; obrigações e lucros da Associação Espiritual de seus devotos: Exercícios piedosos em honra de tão eficaz protector. Com aprovação de S. Ex.ª Revm. ª o sr. Vigário Capitular da Diocese do Porto. Tipografia de Sebastião José Pereira, Rua do Almada, 641, 1869.
In I volume do Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses,coordenado por Barroso da Fonte, 656 páginas, Capa dura.
Editora Cidade Berço, Apartado 108 4801-910 Guimarães